Quando o sentimento exaure, o silêncio vira escudo.
Chegou um ponto em que meu corpo aprendeu a disfarçar tudo o que já sentiu. Não porque a dor passou, mas porque ela deixou de ser novidade. E o que machuca mesmo é a novidade. A primeira decepção. O primeiro abandono. A primeira traição. O primeiro “não” que eu engoli em seco. Tudo isso um dia me arranhou como faca nova, afiada. Depois, só repetiu. E eu virei casca.
A imagem que tenho de mim — e que muita gente provavelmente vê — é a de uma mulher sozinha num bar, vestida de preto, costas nuas, um copo de vinho na mão, o outro braço apoiado no pescoço como quem carrega o peso do mundo sem fazer alarde. Eu não estou ali para ser vista. Estou porque não preciso mais me esconder. Passei por tanta coisa que estar sozinha virou descanso. Me vestir bem virou respeito próprio. Beber devagar virou hábito — não fuga.
Eu represento muitas. As que já gritaram, choraram, imploraram, esperaram. As que foram sensíveis demais para um mundo que exige frieza. E que hoje, ironicamente, aprenderam a sobreviver sendo exatamente isso que um dia odiaram: distantes, caladas, fortes.
Mas não se engane. A ausência de lágrima não é sinal de cura. É só o estágio final da dor. Quando já não há mais energia pra dramatizar, a ferida cicatriza torta, endurecida, discreta. Quando eu digo que “não sinto mais nada”, o que quero dizer é: “já senti tanto que perdi o termômetro”.
E talvez… talvez tudo que me aconteceu tenha sido só o carma fazendo o seu trabalho. Equilibrando o peso de tudo o que um dia eu fiz alguém sentir. Porque se tem uma coisa que eu nunca fui, é boazinha com o sentimento dos outros. Sempre fui mais preocupada em me manter viva do que em manter os outros inteiros.
E qual o mal nisso? Eu quis cuidar de mim. Me priorizar. E se por isso virei vilã nas histórias dos outros, paciência. Ninguém vai escrever minha biografia com o peito que eu tive pra aguentar o que vivi. E quem não gostou do final, que não leia o próximo capítulo.







