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| Imagem ilustrativa |
Boninal é uma cidade pequena, localizada na Chapada Diamantina, interior da Bahia. Tem cerca de 12 mil habitantes e uma vida que corre num ritmo lento — às vezes, lento até demais. A economia gira em torno da agricultura familiar, da pecuária e dos empregos públicos. O comércio é modesto, o turismo é pouco explorado, e o que move a cidade, de verdade, são as tradições culturais, os festejos religiosos e a política que insiste em se alimentar da ignorância coletiva.
É um lugar onde quase todo mundo se conhece. Onde os sobrenomes se repetem, as histórias se cruzam e as oportunidades se concentram. Onde a sensação de pertencimento existe, mas a de crescimento… não. Porque Boninal está estagnada.
Sete meses. Esse foi o tempo necessário para que eu enxergasse o que muita gente daqui finge que não vê. Boninal é um exemplo vivo de como o tempo pode passar e quase nada mudar. É uma cidade parada. Estancada num ciclo vicioso onde a política não serve à população — serve a ela mesma.
Vamos falar do posto de saúde? Um dos mais utilizados pela comunidade está a mais de 10 km de distância. Um absurdo para quem precisa de atendimento básico, não tem carro e nem estrutura pública pra chegar até lá. Isso é exclusão. Isso é desprezo pela vida.
As ruas? Tem rua com calçamento iniciado e abandonado, como se a obra fosse só uma encenação. Começam, fazem barulho nas redes sociais, somem. Nenhuma explicação. Só buraco, lama e poeira. A obra do hospital então… é um capítulo à parte. Começaram há anos, prometeram mil vezes, e até hoje não concluíram. Enquanto isso, quem precisa se vira como pode. Porque depender do sistema aqui é o mesmo que depender da sorte.
Quer trabalhar? Boa sorte se não for parente ou amigo dos mesmos de sempre. Os empregos giram entre panelinhas. Já os ônibus escolares, que deveriam oferecer segurança, são velhos, caindo aos pedaços, com monitores despreparados e um trajeto absurdo que deixa crianças a mais de 2 km de casa. Isso é transporte público ou abandono disfarçado?
E a Coelba? Essa é campeã de desrespeito. Tem pedido de extensão de rede elétrica esperando há mais de um ano. Um ano inteiro sem resposta. Como se gente pobre não tivesse direito a energia.
Mas aí vem o São João e a prefeitura gasta alto com cantor famoso, som, palco, camarote. Pro show tem verba. Pro essencial, só desculpa. É a cultura do barulho e da maquiagem pública.
A tal “Academia dos Idosos”? Passei por ela. Estrutura vazia. Nenhuma atividade acontecendo. Mas os bajuladores estavam lá, sorrindo como se tivessem entregue uma revolução. É enfeite pra parecer ação. E só.
Fizeram uma ciclofaixa no meio do mato, mal iluminada, mal pensada. Enquanto isso, a comunidade de Guaribas — onde realmente se caminha e se pedala — segue esquecida. Teria sido muito mais útil e barato levar a ciclofaixa pra lá. Mas pra que pensar no que serve, se dá pra fazer o que aparece bem na foto?
A cidade não cresce. Boninal não anda. Os projetos públicos não atendem quem mais precisa. Criaram um programa pra distribuir frutas e verduras — boa ideia. Mas péssima execução. Subestimaram a demanda. A organização foi desastrosa. E os mais vulneráveis — mães solo, idosos, pessoas com fome real — ficaram por último.
Em Guaribas, o problema da água é uma novela. Casas da parte baixa ficam dois, três dias sem uma gota, enquanto outras têm abastecimento normal. Isso não é só desigualdade. É má gestão escancarada.
A coleta de lixo não atende com frequência as casas mais afastadas. É obrigação da prefeitura. Mas parece que a obrigação aqui só vale pro eleitor, nunca pra quem foi eleito.
O que dizer dos cães de rua? Proliferação absurda. Nenhum projeto de castração, nenhuma clínica, nenhuma campanha. Já vi quatro cadelas darem cria nos últimos meses. Filhotes largados, doenças se espalhando, e todo mundo age como se fosse normal.
E as donas de casa? Estão invisíveis. Sem incentivo, sem projeto, sem alternativa de renda. Dependem do Bolsa Família porque ninguém se preocupa em dar outra opção. A juventude? Abandonada. Nenhuma campanha decente sobre gravidez na adolescência. Ouvi falar de um caso gravíssimo: um homem preso por engravidar uma criança de 10 ou 11 anos. E o que me revolta não é só o caso — é o silêncio em volta dele. Aqui, sexo ainda é tabu. Muitas mães, mesmo sendo modernas, não sabem como conversar com as filhas. E a escola? Se cala. O resultado é uma geração de crianças grávidas de outras crianças, dependendo de ajuda do governo, vivendo sem referência.
Imagina se essa cidade não tivesse prefeito? É só uma ideia de como isso aqui pode ter sido antes.
Se as decisões fossem tomadas por todos, em comum acordo?
Se os gastos fossem publicados?
Se os projetos fossem concluídos?
Se as obras fossem rápidas e eficientes?
Se o atendimento fosse justo, educado e organizado?
Qual seria a qualidade de vida dos idosos dessa cidade?
Qual é a renda média das mulheres?
Quantos estão desempregados?
O que tem sido feito a respeito?
Nada.
Boninal parece estar confortável na própria estagnação.
E enquanto a cidade dorme, quem tem consciência fica insone.