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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Entre Dor e Dignidade: O Haiti Que Habita em Mim”

 Falar sobre o Haiti é abrir uma fresta no peito. É impossível pensar naquele país sem sentir um nó na garganta. Durante muito tempo, nos ensinaram a vê-lo apenas pela dor, pela miséria, pelas tragédias. Mas o Haiti é muito mais do que as manchetes contadas de fora. Muito mais do que querem que a gente veja.



A partir da história — e da oportunidade de conhecer de perto o país e seu povo — me senti em casa entre eles. Me envolvi com a culinária, com a língua, com os costumes. Em cada canto, algo me puxava pra mais perto, como se eu já tivesse pertencido àquele lugar antes mesmo de chegar. O povo haitiano carrega a história no sangue e, no rosto, uma expressão de força que talvez nem eles saibam que têm. Não é aquela força de propaganda, superficial, que romantiza a dor. É uma força ancestral, silenciosa, que se manifesta no gesto simples de continuar. E continuar, no Haiti, é um ato político.

É impossível falar do Haiti sem falar da luta constante por soberania. Um país que pagou caro demais por ter sido o primeiro a se libertar da escravidão. Desde então, nunca deixaram o Haiti em paz. Potências estrangeiras, ocupações disfarçadas de ajuda, ingerências políticas, interferências econômicas, tudo sempre muito bem maquiado. É um povo esmagado pela ausência de oportunidades, abandonado nas “favelas” — nos bairros mais pobres — onde falta tudo, menos dignidade. Um lugar onde o crime não nasce do mal, mas da miséria e do abandono. Onde a sobrevivência se torna um desafio diário, enquanto os olhos do mundo fingem não ver, ou escolhem ver apenas o que convém.

E mesmo assim, o Haiti floresce. Há beleza no Haiti. Muita. Está na música que ecoa pelas ruas, nos pratos apimentados cheios de sabor e história, na forma como se dança, se celebra e se resiste. Está nas crianças que correm descalças, mas com os olhos mais vivos que já vi. Está no riso alto, no abraço quente, no jeito de acolher quem chega. E está, sobretudo, na fé inabalável de quem acredita que ainda há um amanhã.

Foi também por isso que doeu tanto perder o presidente Jovenel Moïse. O assassinato dele me atravessou. Ele era um homem que começou a fazer diferença, que se recusava a abaixar a cabeça para o jogo sujo que quer manter o país de joelhos. Não se curvou, e por isso, muito provavelmente, foi morto de forma covarde. Sua morte foi mais uma ferida aberta na alma de um povo que já sangra há séculos, mas que ainda assim se recusa a morrer.

Sabe quando alguém te chama de guerreira? Às vezes penso que nem sabem o peso dessa palavra. Eu não sou guerreira — eu apenas vivo. Mas o povo haitiano, esse sim, sobrevive. E como já é do conhecimento de todos, eles suportam, enfrentam e seguem em frente. Muitos, quando não aguentam mais, partem. Cruzam fronteiras em busca de dignidade, levando consigo o que têm: esperança, coragem e identidade. Enfrentam o preconceito, o racismo, a xenofobia — mas seguem. Porque desistir nunca foi uma opção.

Eles não carregam apenas pele preta e força física. Carregam caráter. Alegria de viver. Uma dignidade que insiste em florescer, mesmo quando o mundo parece querer enterrá-la. É impossível olhar pra eles e continuar sendo a mesma pessoa.

Foi o Haiti que me mostrou que resistência é mais do que discurso bonito. É prática diária. É levantar todos os dias sabendo que o mundo espera que você desista — e mesmo assim seguir. Se algum dia eu esquecer quem sou, é nas histórias do Haiti que vou me lembrar. 


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