Só estou sendo Eu…
Ela pode ser preta, poderosa e cheia de planos. Pode ter saído do fundo da pirâmide com os próprios dentes, ter engolido mais silêncio que ar, ter vencido o racismo disfarçado de exigência e o machismo travestido de amor. Pode ter acumulado diplomas, lutas, traumas, cicatrizes. Ter aprendido a ser bonita sozinha, inteligente sozinha, feliz sozinha. Mas no momento em que ela se permite desejar amar — e ser amada — o jogo muda. E é aqui que entra a parte que ninguém avisa: nem todo homem preto é capaz de acompanhar o processo de uma mulher preta que sabe onde quer chegar.
É importante dizer isso com todas as letras porque o senso comum ainda quer nos empurrar a ideia de que “só por ser preto, ele já entende”. Não entende. A cor da pele é um marcador histórico, não um atestado de consciência. Tem homem preto que reproduz tudo o que o homem branco ensinou: o domínio, a covardia afetiva, o ego inflado, a competição disfarçada de parceria. Tem homem preto que se sente intimidado por uma mulher preta autônoma e ambiciosa porque nunca foi ensinado a admirar uma mulher em pé — só soube lidar com a que está de joelhos.
O processo de uma mulher preta é denso. Ele não começa quando ela te encontra, começa quando ela decide se encontrar. Vem das dores não nomeadas da infância, da ausência de referências amorosas, da necessidade de se provar sempre e da solidão feminina que é preta e periférica antes de ser romântica. Se ela te escolhe, não é por carência — é por estratégia emocional. E se você não entende isso, você vira peso. E peso, ela já carregou demais.
Homens pretos que não fizeram sua lição de casa são perigosos. Eles ferem com a desculpa da sinceridade, desaparecem com a desculpa da liberdade, diminuem com a desculpa do cuidado. Dizem que estão “se resolvendo”, quando na verdade estão só adiando a responsabilidade de olhar pra dentro e entender que estar com uma preta potente não é um prêmio — é um compromisso. Um compromisso que exige inteligência emocional, masculinidade ressignificada e presença ativa. Não adianta querer desfilar do lado dela no Instagram se não consegue sustentar a conversa quando o celular está virado pra baixo.
A mulher preta com objetivos não quer um salvador, não quer um coach, não quer um dependente. Ela quer alguém que esteja em processo também. Que entenda que não é sobre dominar, mas sobre caminhar junto. Que saiba ouvir sem se sentir atacado. Que consiga admirar sem se sentir menor. Que compreenda que um relacionamento preto não é só amor, é também estratégia de sobrevivência num mundo que nos quer mortos, submissos ou divididos. E isso não se constrói com emoji de fogo e papinho de DM.
Talvez esse seja o maior desafio: filtrar o homem preto que se ama do homem preto que só se deseja. Porque tem muito corpo preto bonito carregando alma adoecida. Tem muito preto que se acha “diferente” por não ser racista com a própria cor. Mas ser preto de verdade — inteiro, presente, consciente — é outra coisa. É se posicionar. É cuidar. É acolher. E, acima de tudo, é saber que estar com uma mulher preta é um ato político. E se você não está preparado pra isso, tudo bem. Só não atrasa quem já entendeu o valor da própria jornada.
Então, sim. Uma preta com objetivos precisa de um preto que entenda o processo. Que saiba que o amor não é sobre “ganhar” uma mulher foda, é sobre estar à altura do que ela se tornou, depois de sobreviver a tudo o que disseram que ela não merecia ser. Porque o mínimo que uma preta com visão merece… é um preto que enxergue.

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