segunda-feira, 7 de julho de 2025

“Quando a paz assusta”

 



Depois de sobreviver a tudo, ela estranhou o silêncio. Não sabia mais viver sem dor.

 


Ela chegou dizendo que não sabia mais o que estava fazendo ali.

“Eu tô bem. Minha vida tá boa. Não tem mais nada me machucando.”

Falou com uma tranquilidade que assustava, como se dissesse: “a dor acabou, então não preciso mais ficar aqui”.


Ela sempre foi rápida pra reagir. Aprendeu cedo que não dá pra ficar parada esperando o mundo ser justo.

Cresceu achando que força era sobrevivência.

E sobreviveu.

A tudo.

Ao abandono.

Às expectativas dos outros.

À falta de amor na hora errada.

Aos silêncios.

Ao caos.

Sobreviveu ao abuso.

Às perdas que ninguém soube consolar.

Às dores que ninguém nem viu.


Hoje, ela vive uma fase boa.

Tem gente por perto. Gente que ama e que a ama de volta.

Tem dinheiro entrando, tem tranquilidade emocional.

Está apreciando o sentimento raro de viver sem pressão.

Sem ter que se provar.

Sem correr atrás de aceitação, nem fugir de rejeição.

Só vivendo.


E mesmo assim… tem alguma coisa ali.

Um incômodo sutil.

Como se estivesse tudo certo demais.

Como se, pela primeira vez, ela estivesse fora da guerra — e não soubesse o que fazer com as mãos.


A terapeuta tentou chegar perto.

Disse que ela não precisa ser forte o tempo todo.

Disse que até a fortaleza mais sólida um dia desaba por dentro se não for cuidada.

Mas ela só deu um sorriso de canto e respondeu: “tô bem, de verdade”.


E talvez estivesse mesmo.

O problema é que ela confundiu paz com ausência de sentido.

Ela não reconhece essa vida sem dor como vida de verdade.

Porque passou tempo demais em modo de sobrevivência — agora não sabe só viver.

Quer adrenalina.

Quer intensidade.

Quer qualquer coisa que faça o sangue correr de novo nas veias como quando tudo doía.


Ela ainda não entendeu que essa fase boa… também é ela.

E que tá tudo bem não ter o que consertar.

Às vezes, o que dá medo não é cair — é finalmente ter chegado num lugar seguro.

E perceber que não tem mais desculpa pra não relaxar.

Que a gente também se assusta com a calmaria quando nunca teve colo.


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