O que eu vi quando todo mundo olhava para frente
Eu tinha acabado de chegar em São Paulo. Fazia poucos meses e tudo ainda era novidade. A cidade gigante, os prédios absurdos, as luzes, os cheiros, as pessoas — tudo em excesso, tudo vivo. Fui ao centro, como quem quer conhecer o coração de SP. E que coração estranho.
Tantas coisas bonitas. Arquitetura imponente, lojas, música, comida por todos os lados. Era tudo tão rápido. Um entra e sai de gente, passos apressados, olhos grudados nos celulares, nos relógios, nos próprios mundos. Mas no meio desse movimento todo, o que mais me chamou atenção… foi o que estava parado.
Os moradores de rua.
Eles estavam ali, como se estivessem presos numa outra velocidade. Em câmera lenta, enquanto o resto da cidade parecia acelerado em 2x. Cobertores rasgados, sujos, corpos deitados no chão frio, olhares perdidos. Não havia urgência neles. Nem pressa. Nem direção. Só existência.
E o mais estranho é que ninguém os via. Ou fingia não ver. As pessoas desviavam como se fossem postes, obstáculos. E seguiam. Rápidas, eficientes, focadas. Ninguém parecia se perguntar: quem são essas pessoas? Por que estão aqui? O que aconteceu com elas?
São Paulo não era a cidade das oportunidades?Passei por um, por outro. Um cachorro ao lado. Um papelão improvisado como cama. Um saco de roupas. Um pedaço de pão seco na mão. E a vida… continuava.
Quando cheguei em casa, não estava mais tão maravilhada. A tal “selva de pedra” começou a fazer sentido. Onde o filho chora e a mãe não vê. Onde a dor é abafada pelo barulho. Onde o que incomoda é simplesmente ignorado.
Mas São Paulo também é isso: o berço de maloqueiro bom, como dizem. Gente que luta, que corre atrás, que resiste. Inclusive eles. Os que dormem na rua. Os invisíveis. Porque não escolheram lutar do lado certo ou do lado errado — escolheram viver. Da forma mais difícil.
E, pensando bem… talvez eles tenham menos preocupações que a gente. Não pagam boleto, não batem ponto. Mas a luta deles é outra. É interna. E a mente, ah… a mente não tira folga. Trabalha 24 horas, sem hora extra, sem fim de semana. Lutar com o mundo já é difícil, mas lutar com você mesmo é mil vezes pior.
Essas pessoas são guerreiros. Guerreiros de si mesmos. Das batalhas silenciosas, das dores que ninguém quer ver, da invisibilidade, da fome, do frio, da sede, do calor, da vida.

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