Essa foto foi tirada em São Paulo, no ano de 2020. Um ano estranho, pesado,
marcado por distâncias e perdas. Mas, pra mim, foi também um tempo de descoberta.
Ali, entre as ruas suadas da zona sul, os ônibus lotados, os sotaques cruzando avenidas — eu me senti viva. São Paulo me deu liberdade. Com todos os seus ruídos, sua pressa e sua frieza, a cidade me abraçou.
Foi lá que, pela primeira vez, senti que cabia, E ao mesmo tempo, era estranho: estar em casa tão longe de onde nasci. Porque no resto do Brasil, mesmo com a mesma língua, eu era tratada como corpo à parte. Como alguém que só serve enquanto obedece, mas que incomoda quando pensa. São Paulo me deu anonimato — e no anonimato, encontrei espaço pra ser eu. Uma mulher negra. Inteira. Sem precisar explicar nada.
🤝 Entre haitianos, eu me reconheci
Foi nessa época que me aproximei de imigrantes haitianos. Pessoas que carregam no corpo a dureza da travessia e no rosto a firmeza de quem não se curva.
Ali eu vi força. Mas não a força forçada, masculina, colonial. Vi a força ancestral, aquela que não se explica, só se sente.
A que resiste em silêncio, a que trabalha o dobro, a que dança depois de chorar.
A que tem alma, A cultura haitiana me marcou profundamente. A forma como eles mantêm viva sua língua, sua história, sua fé. Como transformam dor em ritmo, perda em comunidade. A dignidade deles não se compra, não se negocia. É dignidade de quem sobreviveu a tudo que tentaram apagar. E ao lado deles, eu percebi uma verdade cruel:
No Brasil, eu sou brasileira só no RG. Na pele, no tratamento, nos olhares, sou estrangeira, mas ali, com eles, fui vista. E mais: fui compreendida.
🇭🇹 O Haiti tem alma. E eu carrego parte dela comigo.
Essa camiseta que uso na foto foi um presente. Não só de tecido — mas de memória, é símbolo de um tempo em que eu não precisava me explicar.


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